domingo, 2 de janeiro de 2011

A espiral do tempo

Na branca tessitura do silencio recolho os ombros nus
mordidos pelas palavras de sangue deserdadas da planura do desejo.
Desembaraço-me das sombras remanescentes de um tempo sem regresso.
Em regime de acumulação guardo emparedadas rosas que mal florescem no
couro do quartzo lavado pela angústia dum sol murcho que não tardará
em esconder o pomar.
Não sobrou sequer um lugar para colocar o epitáfio do adeus.
Sitiados no cintilante ardor da pele governam-se pretéritos vultos
desabitados de convicções.
As admiráveis semi-colcheias das estiosas colheitas do sorriso
ficaram presas nas crinas de um alazão que corre furiosamente
para o epicentro dum luto que desconhece a semantema da paixão.
Acerto o tempo na mudez absoluta do vazio completo da palma da mão
que a ninguém pertence.
As asas da memória são lâminas vivas que cortam pela raiz os deléveis traços
de todos os rostos criados em aguarelas à chuva.
Qualquer amanhã serve para expungir um corpo solto nos recantos do abandono.
Nada se revela na insaciável corrente dos rios que ocultam o pleito da natureza
fungível da razão.
Uma espécie de veneno corrói o inocente canto da cotovia.
Inquilino único da vida penduro vogais no estendal visível da noite
para que a boca me traga luz no difícil parto da madrugada.
Nunca havia partidas na convulsa tentação da cegueira.
Nunca havia chegadas sem o louco rastilho dos amores-perfeitos.
Talvez o vento não sopre mais para que as esterilizadas cinzas
possam guardar intactas as minúsculas sementes da lua viajante.
Aguardo, assim, o alvo presságio da primavera.

Reparo agora como as aves voam...

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