domingo, 31 de julho de 2022

O Raiano

Existe ainda nos olhos
onde mora a infância
incólume no planalto
ali segura o tempo
com um canto na voz
e um dedo na centelha da metáfora

Sob a rigorosa trajetória
do voo do estorninho
arou o azul da utopia
abrigou no peito
lugares rasos de segredos
e a ignorância foi obrigada
a suicidar-se nas suas mãos

Nos pulmões do mediterrâneo
arrastou um inflamado violino
sobre águas soalheiras
de magnas epifanias

Tinha que haver dentro das coisas
uma lembrança de sol
uma nesga de luz
que a parede da sombra
não havia engolido.

Sob o cílio do omnipotente
tocou a noite no seu silêncio sacro
coletou todas as palavras
penduradas na sua rigidez definitiva
e num sorriso a morder-se a si próprio
logrou pérolas no desvelamento dos mistérios do mundo

Afinal quem fomos, o que somos e o que seremos?

De peito largo de sonho
e num olhar de lobo
regressou à pátria
que não era mais que uma casa em ruína

Perante o desfocar súbito do futuro de todas as interrogações
apenas um hino da revolução lhe bastava
para derrubar os embustes
salinizados na boca
dos inquilinos deste povo.

Só um sítio
podia concentrar a eternidade
cognitiva dos instantes.

Seus pupilos recebiam luz
com o deslumbre de uma folha
que lhes caía o colo.

No renque do pensamento
sempre a exulta arquitetura da palavra
e de bolsos repletos de alfabeto
esculpiam a vida
como uma eterna nascente
a agigantar-se na sua biografia.

Ante a desertificação da esperança
sempre as mãos em concha
nas raízes do amor
a anunciar um silêncio vadio
na uterina razão do pensamento

Esta é a simplicidade do princípio
de todas as árvores - era sabido.

Uma asa aguda a entregar
o vítreo cabaz dos frutos silvestres do conhecimento.

Não há orfandade de valores
no berço da dignidade
nem crepúsculo
no milagre da flutuante molécula da revelação.

O Raiano
Uma seiva de maré
Uma voz peregrina no coração da pedra
Uma breve ardência que atinge o corpo da língua
Um verde de alma na artéria do encantamento
Uma rúbrica na lucidez.

Permanecerá

Vivo ou morto!


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